sábado, 14 de agosto de 2010

sábado, 30 de janeiro de 2010

Dia 13: Em busca da Dra. Ruth

A Dra. Ruth é advogada da Pastoral do Migrante aqui em São Paulo. É descendente de pais bolivianos, e desde que vim começar minha pesquisa em SP em julho do ano passado, já ouço dizerem que eu deveria falar com ela. Apesar disso, só me empolguei mais com a idéia quando soube que além disso, ela também participava de diversos grupos folclóricos bolivianos na cidade, em dias em que eu tenho concluído que os grupos folclóricos são realmente um dos pouquíssimos espaços de sociabilidade boliviana na cidade. Além das feiras e do futebol.

Já tentei marcar um encontro com ela diversas vezes, mas sem sucesso. Da última vez, quarta-feira passada, como sempre, disse para ligar dali a uns dias. Mas aproveitou a deixa para me convidar a ir a um Fórum Estadual de Combate ao Trabalho Escravo, realizado no Ministério do Trabalho aqui de SP.

Para ser sincero, estou tentando fugir do tema do trabalho escravo. Eu não gosto de falar disso, os bolivianos não gostam de falar disso, e como se não bastasse, já se fala muito sobre isso. Mas pensei que era uma boa oportunidade de fazer contatos. E como não tinha nada melhor mesmo para fazer, fui.

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O Fórum começava às nove da manhã, e não tardei a descobrir que ele, digamos, tardaria, até pelo menos seis da tarde. Cheguei, me deram uma pasta com a programação, mas estava mais preocupado em encontrar a Dra. Ruth, que afinal de contas, eu nunca tinha visto. Na realidade, procurava também por uma tal de Ilana, de quem nunca ouvi falar, mas que assinou o nome na listinha do Forum logo antes de mim, e que aparentemente também era da UnB.

Cheguei a arriscar perguntando a uma moça que parecia poder ser uma Ilana, mas que não era.

Me sentei, e como logo reparei que não conhecia ninguém por ali, comecei a analisar as pessoas e ouvir as conversas para ver se algo me indicaria afinal quem era a Dra. Ruth.

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Após algum tempo do Fórum já ter começado, me toquei que, ao meu lado, conversando já há bastante tempo, estavam os padres Mário e Sidnei. O Sidnei só conhecia de nome, é sociólogo, editor-chefe da Revista Travessia, especializada em migrações.
Mas o Pe. Mario eu já havia até entrevistado, seis meses atrás, e me senti meio constrangido por não o ter reconhecido – ainda mais sendo ele a pessoa mais próxima possível à Dra. Ruth. Àquela altura, achei por bem continuar não o reconhecendo.

Paciência.

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O Fórum em si me surpreendeu. E não digo isso apenas pelos inúmeros breaks para fartos coquetéis com sanduíches, doces e bebidas. O segundo palestrante a falar foi o tal do auditor fiscal, seu Dimas. Fez uma palestra incrível, apaixonada, mas cheia de detalhes e histórias para contar. Enquanto auditor fiscal, fiscalizava diversas fazendas no interior de São Paulo. Encontrava incontáveis trabalhadores de grandes empresas, trabalhando em condições “análogas à escravidão”.

Aliás, ouviria bastante essa expressão naquele dia. Além de “terceirização”, “quarteirização”, “precarização”, “bolivianos”, “quinteirização”, “bolivianos”, e “bolivianos”.

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O Fórum seguiu com diversos palestrantes. Auditores, juízes, donos de oficinas de costura, advogados, procuradores, sindicalistas.
Ah, nada como um Fórum sem acadêmicos.

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Enfim, veio o primeiro coffeebreak, e com ele, minha primeira chance de fazer contatos, e mais que isso, descobrir quem era a Dra. Ruth. Tinha um plano. Não podia falar com o Padre Mario àquela altura, mas já havia descoberto o Paulo Illis no Fórum, diretor do Centro de Apoio ao Migrante, e com quem eu também queria conversar já há algum tempo. Mataria dois coelhos de uma só vez, pois ele certamente conheceria a Dra. Ruth.

Mas o Paulo estava ocupado, e só consegui arrancar-lhe um email para contato e a promessa de me apontar a Dra. Ruth quando ela aparecesse. Aparentemente, ela havia dado uma saída.

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Voltamos para o Fórum. Frustrado até então sem conseguir fazer nenhum contato e aproveitando no Fórum até ali nada além de uma boca livre e umas boas palestras sobre trabalho escravo de nordestinos em latifúndios paulistas, resolvi que nunca era tarde para se reconhecer alguém que está do seu lado – há duas horas – e me apresentei ao Padre Mário.

Me cumprimentou sem problemas, se lembrou de mim e perguntou sobre minha pesquisa. Aparentemente, a Dra. Ruth estava em alguma parte da sala, mas fora do alcance da voz ou do dedo indicador.

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Algumas palestras mais, e enfim, veio o almoço. O programa fazia questão de frisar: “almoço financiado pela Associação Brasileira de Coreanos de São Paulo”.
Era significativo. A tabela oficial de estereótipos paulistas afinal, incluía sempre os bolivianos como escravos em oficinas de costura, e os coreanos, sempre como os donos dessas oficinas.

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E então foi como que um efeito dominó. O Padre Mário se aproximou de mim para me apontar a Dra. Ruth. Estava quase ao meu lado, e conversava com outras pessoas, de terno e gravata. Esperei o papo acabar e me apresentei. Disse que falaria comigo, mas que tinha que falar com uma pessoa antes, rapidamente. Demorou algum tempo, e quando voltou, já estava cercada de pessoas novamente. Aproveitei outra brecha para me aproximar, e acho que ainda falamos por alguns instantes, até que apareceu o próprio Paulo Illis para conversar a Dra. Ruth. Ironicamente, ao se aproximar, voltou-se para mim que já conversava com ela, e fez questão de cumprir o prometido “ah, Rafael, né? Então, essa é a Dra. Ruth, você estava a procurando, não estava?”.

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E o Fórum continuou através da tarde. A mesa agora era composta, entre outros, por um oficinista boliviano e um ex-costureiro-hoje-bem-sucedido advogado coreano. Duas pessoas – ou dois tipos de pessoa – com quem sempre quis conversar, mas nada como uma mesa oficial e um convite da Procuradoria Regional do Trabalho para aquele incentivo extra que sempre falta.

Principalmente pelos coreanos. Até então, jamais havia visto um coreano de SP falando em público. E raramente cedem entrevistas.

O interessante foi o rumo que a discussão tomou a partir de então – somada à fala do Sidnei, o padre e sociólogo. O ataque ao trabalho escravo por parte dos auditores fiscais era direto, e sem ressalvas, e sem diálogos. Acabava se tornando opressivo. Como disse o advogado coreano, “eu trabalhava quando jovem até dezoito horas por dia pregando botão, mas era porque eu queria, pra ganhar dinheiro e pagar a faculdade. De repente, queriam me prender por estar pregando botão? Isso não faz sentido”. Mas a defesa da subjetividade também se confundia com a defesa do próprio trabalho escravo. Mais ainda para os auditores.

É curioso notar como a visão relativista/subjetivista do sociólogo foi atacada de forma quase generalizada como sendo conservadora. Tudo bem, a exposição não foi das melhores. Ainda assim, fato é que parece haver pouco espaço, digamos, na sociedade brasileira, para defesas de subjetividade.

Em última instância, esse conflito parece se resolver com facilidade. A questão é colocar que a escravidão, ou a exploração, não vem de baixo para cima, e sim, de cima para baixo. Parar as grandes empresas e não as pequenas oficinas. Ou talvez não seja tão simples assim.

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O fórum terminou por volta de oito horas da noite.

E eu ainda tinha vários contatos, digamos, por fazer.

Ali foi a hora em que me surpreendi com minha própria agilidade. Comecei a abordar rapidamente as pessoas. Peguei uns cinco contatos e marquei umas cinco entrevistas de uma vez. Teve até gente com quem eu nem ia falar e que veio marcar entrevista comigo. Incrível!

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E teve o Léo. O Léo apareceu em certo momento do fórum, apresentado por um senhor da platéia como o único costureiro presente.

Fiquei curioso, queria conversar com ele. Me apresentei, explicando que pesquisava a comunidade boliviana. “Sí, pero yo soy paraguayo”, foi a resposta que recebi.

***

Ainda assim, conversamos bastante. O Léo trabalhou em oficinas de costura por seis anos em São Paulo, e agora quer tentar mudar de área.

Comecei a entender que podia ter encontrado um ótimo informante quando ele me mostrou que tinha um livro do Roque Laraia na mochila.

Conversamos bastante. Ele me passou uma visão nova sobre as oficinas de costura, e mais do que isso, sobre as possibilidades de ascensão social de um migrante boliviano ou paraguaio em São Paulo, e mais do que isso, sobre as possibilidades de se fazê-lo sem que se trabalhe quinze horas por dia.

Deu a impressão de acreditar que haja muitos contrastes entre os comportamentos de paraguaios e bolivianos. Conheci um amigo seu, dono de oficina, o Humberto. Fato é que os dois eram abertíssimos para falar e, mal me apresentava, já me tinham dito mais sobre a vida em São Paulo do que muitos bolivianos em uma hora.

Marcamos de nos encontrar para conversar mais longamente no domingo. Consegui lhe explicar minha situação, minhas dificuldades em conseguir informações em conversas com bolivianos. Falei sobre o, digamos, ofício do antropólogo. É raro conseguir-se falar claramente sobre isso, e ainda, ser entendido. Mas é justamente quando isso acontece que começa a haver diálogo no campo. E não os eternos monólogos antropológicos das minhas entrevistas recentes.

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O dilema agora é pensar. Como “usar” o Léo? Já não pensava mais na questão da costura, estava até fugindo de questões de costura e de trabalho. O Léo me dá a possibilidade de retomar essa questão. São seis anos de trabalho em diversas oficinas, e ele está disposto a falar.

Por outro lado, é paraguaio, e não boliviano. Será que posso falar sobre a comunidade boliviana de São Paulo através de um interlocutor paraguaio? Por um lado, é até emblemático da palavra interlocução, essa coisa que é e não é ao mesmo tempo, nem brasileiro, nem boliviano, somente um paraguaio poderia me fazer essa ponte. Será? E em que isso implica? Que visibilidade é essa que se dá aos bolivianos colocando um paraguaio para falar por eles?

Claro, ele não vai falar por eles. Vai falar das oficinas, e invariavelmente, também de bolivianos. E só vai complementar os vários relatos de bolivianos que já tenho.
Pode falar sobre a comunidade paraguaia também. E então mudo minha pesquisa, faço uma coisa comparativa, não sei, Paraguai versus Bolívia. Pode ser um capítulo comparativo da minha pesquisa, o Paraguai, o Léo, como partícula semântica intermediária que viabiliza interlocuções.

E até que ponto quero voltar a falar sobre oficinas de costura? Eu não queria mais falar sobre costura, os bolivianos também não querem que se fale de costura e de bolivianos numa mesma frase. E agora? Vou falar de costura?

São vários e vários poréns.

Amanhã vamos conversar. E então talvez eu entenda melhor o que terei pela frente. O Léo é aberto, mas não posso esperar que seja para mim aquele grande informante do Evans-Pritchard entre os Azande. Não teremos uma grande amizade formada em duas semanas mais que fico em São Paulo. Tenho que deixar claro que há alguma base de troca.

Mas o que um antropólogo tem a oferecer em troca?

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Já na saída, tentei mais uma vez. A Dra. Ruth disse enfim que eu posso ligar para ela. Na terça-feira. E aí, quem sabe, marcar alguma coisa.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Dia 9: Dia de Alasitas.

Ainda não consegui parar para escrever sobre o domingo passado. Um pouco de preguiça, admito.

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Domingo foi dia da festa de Alacitas em algumas partes da Bolívia, tradicionalmente em La Paz. Em aymara, “alacitas” significa “compra-me” ou “compra-me coisinhas” – já ouvi as duas traduções. Ao longo do dia de Alacitas, milhares de pessoas se reúnem em público ou em família para pedir coisas ao Ekeko, divindade andina da abundância. O ritual é bastante antigo, tem origem pré-hispânica, mas com a colonização, claro, foi se modificando, e acabou sendo de certa forma apropriado pela Igreja Católica.

Enfim, apenas um breve resumo para facilitar a leitura.

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Bom, ainda estou hospedado em Osasco, e parece que por mais que eu acorde cedo, não consigo chegar cedo em parte alguma. Tudo bem, cheguei pontualmente na Praça da Kantuta, meio-dia, hora marcada para o início das festividades – ao menos, das festividades oficiais.

Por oficiais, quero dizer as organizadas pela direção da Feira da Kantuta. Desde a mudança da feira do Pari para o Bom Retiro, lá por volta de 2002, e que marcou a regularização da feira com a prefeitura, seus eventos parecem ter se tornado bastante, digamos, solenes. Assim, ao meio-dia, apresentaram-se no palco as lideranças da diretoria. Don Sergio, o boliviano que teve a idéia de fazer a festa de Alacitas em São Paulo, anos atrás. O cônsul da Bolívia em São Paulo. Depois, para minha surpresa, tocam-se o hino nacional do Brasil, e em seguida, o da Bolívia. Enfim, é sobre o palco que se tem início a versão católica do principal ritual de Alacitas, a challa.

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O padre então assume o microfone e faz algumas orações, antes de abençoar o povo boliviano ali presente. Ao seu lado, a Virgem, posta em um altar improvisado. Embaixo, dependurado no palanque, uma grande imagem do Ekeko. Ao longo da festa, padre e Ekeko toleravam-se, mas pareceram ignorar um ao outro.

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Nota-se: a imagem do Ekeko com o passar do tempo certamente se modificou bastante. Hoje, se assemelha mais a um rapaz andino de bigode e chapéu, carregando nos ombros o quanto pode de sacolas de mercadorias, cereais, pão, e em geral, muitos dólares também. Em última instância, praticamente um sacoleiro.


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O padre então desce o palco e começa a caminhar pela praça. Tem um balde de água benta em uma mão, enquanto com a outra carrega uma espécie de pincel gigante que vai agitando no ar, abençoando a população com seus respingos de água benta.
Distraído, não percebi o padre se aproximando. Acabei abençoado, eu e minha câmera, por sorte, mais resistente à água do que eu imaginava.

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Era praticamente impossível fazer entrevistas com qualquer pessoa aquele dia. Ao menos, claro, para um antropólogo. A câmera da TV Integración fazia concorrência à minha com muito mais autoridade. A equipe era maior, e incluía o repórter, desses tarimbados, um câmera e um assistente – a câmera, vale dizer, o cinco vezes o tamanho da minha.

Qualquer um falava animadamente à TV Integración. Eu, desisti após a terceira rejeição.

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Digo que era impossível também porque a feira estava lotada. Absurdamente lotada. Em um certo momento da tarde, já era praticamente impossível caminhar não tão estreitas ruas da praça. Tampouco podia almoçar. As barracas de comida estavam cheias.
Caminhando pela feira, as mudanças provocadas pela festa ficavam mais claras. Grande parte das barracas, que costumava vender enfeites e outros objetos bolivianos, naquele dia vendia miniaturas de coisas desejadas, que seriam utilizadas depois durante a challa. Passear de barraca em barraca era praticamente um turismo através de manifestações objetivas do imaginário dos desejos de um imigrante boliviano em São Paulo. As mesas estavam repletas de miniaturas de carros, casas, casas com carros, máquinas de costura, e principalmente, dólares e euros – estes, em tamanho real; comprava-se um maço a dez reais.

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Enfim encontro os yatiris, uma espécie de xamã que é responsável tradicionalmente pela realização da challa. Haviam quase dez na praça, sentados debaixo de tendas, e em geral, recebendo grandes filas de pessoas equipadas com seus sacos de miniaturas. Cada família atendida pelo yatiri depositava no chão suas miniaturas. O yatiri “esfumaçava” os objetos por alguns instantes – tem uma palavra melhor para isso, eu sei, se alguém se lembrar me fale. Em seguida, o yatiri e a família atendida abriam uma lata de cerveja, Skol mesmo. Juntos, parte da cerveja banhava as miniaturas, e claro, a outra parte era devidamente tomada pelos familiares.

Quando a Igreja Católica resolveu, tempos atrás, que deveria tentar se apropriar de Alacitas ao invés de proibi-lo, tentou fazer as aproximações possíveis. Alguns sacerdotes ainda se recusam a fazer qualquer coisa que diga respeito à challa. Outros trocam a cerveja por água benta e com ela, abençoa pacientemente as miniaturas que aparecerem. Na Kantuta, o padre escolheu um meio-termo. Não se referiu em momento algum a Alacitas ou Ekeko em suas orações. Deu uma volta pela praça abençoando os presentes com suas pinceladas aleatórias de água benta. Invariavelmente, a água caía nas miniaturas de quem por ali estivesse. O padre seguia, como se não percebesse, e pincelava o ar, abençoando o que aparecesse.

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Por volta de quatro da tarde a Kantuta estava insuportável. A multidão chegara a níveis absurdos. O cheiro de fumaça misturado com cerveja tomava conta da atmosfera. E como se não bastasse, a chuva, que já ameaçava, desceu de vez, e eu, que estava então sentado calmamente comendo uma merecida salteña na única cadeira que restava em uma das barracas, de repente me vi apertado no meio de uma multidão de bolivianos, que se protegiam da chuva.

Sufocando ali no meio, com a salteña no colo, a mochila e o tripé no chão pegando água, além do guarda-chuva dependurado, após muito esforço, consegui enfim deixar a barraca, apenas, claro, para descobrir que já não havia mais quase ninguém nas ruas. A multidão inteira se apertava em todas as dezenas de barracas da Kantuta, enquanto meu guarda-chuva pouco podia fazer para evitar que a tempestade me encharcasse. Procurei em vão por um vão em alguma barraca. Não havia mais espaço algum, a não ser debaixo de uma marquise, a 500 metros da praça – ela também, repleta de bolivianos, pacientemente esperando a chuva passar.

E quando passou, a multidão novamente tomava a feira. E novamente, não se podia andar.

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Enquanto isso, no palco, alguns apresentadores se revezavam e simulavam literalmente uma rádio local. Algumas falas mais importantes eram ditas tanto em castelhano quanto em aymara, e era divertido encontrar as palavras do aymara que eram iguais às do castelhano, ainda que agora me fujam à memória.

Em certo momento, um radialista mais animado, tentou interagir com o público. Primeiro, perguntou de onde vinham as pessoas que estavam lá. “De Oruro?”. Poucos respondiam. “De Potosí?”. Ninguém. “De La Paz?”. E eis que a multidão se manifestava.
Ainda animado, o radialista continuou: “y que cosas que el Ekeko ha comprado para ustedes en 2009? Quizás, un automóvil?”. Uma pessoa parece ter se manifestado. “Una casa?”. Ninguém. “Una máquina de costura?”. E enfim o público manifestou-se.

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Em certo momento, havia tentado eu mesmo fazer esta pergunta aos passantes na feira. Em uma fila que aguardava o yatiri, abordei um grupo de rapazes e perguntei-lhes o que iriam desejar ao Ekeko. Recusaram-se a responder. Outro grupo, contudo, ouvindo mais ou menos a conversa, me chamou, perguntando o que eu queria saber (tinha a câmera na mão naquele momento). Fiz-lhes a mesma pergunta, dizendo que era para uma reportagem. Responderam-me que outro senhor, mais para trás, podia responder-me melhor. Como a resposta me era absurda, tentei explicar melhor a pergunta. Insistiam-me neste outro senhor. Expliquei novamente, que me interessava saber dos desejos das pessoas em geral, de cada um, deles inclusive. Deram-me a mesma resposta.

Saí achando que devia haver algo de muito errado com meu portunhol. Ou que minha pergunta era absurda. Sei que desisti, e como o ambiente se tornava insuportável, e já não havia mais a se fazer, fui embora frustrado.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Dias 7 e 8: Embotellamientos y la Casa del Pueblo

Se a conversa com o Hidalgo de quem eu pouco esperava me supreendeu tão positivamente (eu nem achava que ele vinha), a conversa com o Andrés das ligas de futebol de quem eu esperava muito mais acabou sequer acontecendo.

Tudo bem que sair de Osasco quinze para meio-dia para chegar na Bresser à uma da tarde podia ser um pouco de otimismo da minha parte, e quando percebi que já era meio-dia e meia e eu ainda estava no Butantã, liguei para o Andrés e remarquei nosso encontro sem problemas para as duas e meia, afinal, estava "preso en un embotellamiento" (nada como um dicionário em mãos) - até pensei em falar duas, mas coloquei logo duas e meia, seria tempo de sobra.

Mas afinal, estamos em São Paulo, e por mais que não estivesse chovendo tanto, e que fosse uma "sexta meio morta" por causa do feriadão estadual, só fui chegar às três horas da tarde.

O Andrés já não estava, e de qualquer forma o restaurante em que íamos nos encontrar já tinha fechado. Tentei ligar, deu caixa postal.

Um contato pelo ralo, ou melhor, bueiro abaixo.

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Parece que as desventuras da sexta não foram o suficiente.

Hoje era um dia chave. Era o dia em que começariam os cursos de computação e português da Casa del Pueblo, na Coimbra mesmo. Tinha ido lá uma semana atrás. Sabia que esse tipo de curso é sempre pra mim uma grande possibilidade de entrada no mundo boliviano e quando soube que a Casa del Pueblo estava prestes a começar dois cursos, com várias turmas, não hesitei.

Claro, também não saí dizendo que queria assistir às aulas. Queria conversar primeiro com os professores, até mesmo entrevistá-los, e se a conversa fosse boa e minha potencial simpatia ajudasse, quem sabe conseguiria permissão para assistir às aulas.

Enfim a secretária me pediu para que viesse tentar falar com os professores no primeiro dia de aulas, e era o que fui fazer hoje. Era às 14h, cheguei quinze para as duas. Estava fechado. Achei estranho e resolvi telefonar na outra sede. Atenderam, e me disseram que não havia curso algum hoje mas que se eu quisesse, poderia encontrar com os professores na outra sede naquela hora mesmo. Sem hesitar, aceitei e desliguei antes que pudesse perguntar o endereço. Mas enfim, tinha um cartão deles e estava lá, Rangel Pestana, 2362. Lembrava bem de ter visto uma placa de Rangel Pestana na Sé. Peguei o metrô na Bresser e fui.

Chegando na Sé, dou direto na Rangel. Perfeito seria, não fosse o fato de que era a a Rangel número zero. Descobri que estava a dois quilômetros da Casa, e claro, como não podia deixar de ser, debaixo de chuva. Mas enfim, ainda que meio arrebentado, ainda tinha meu guarda-chuva, e não iria pagar mais 2,55 pelo metrô. Dois viadutos depois, estava lá.

Ao chegar, a secretária me explica que não, que aquela não era boa hora, e que deveria esperar até às 17h (eram 15h30 no máximo). E me pus a passear pelo Brás.

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O que foi até bom. Não tinha noção da quantidade de bolivianos que passeia pelo Brás aos sábados, nas infinitas lojas de roupas e calçados. Ao contrário da Coimbra e da Kantuta, no Brás os bolivianos são obrigados a se misturarem aos brasileiros nas ruas, algo que ainda não tinha visto.

Caminhando entre os camelôs, vejo uma senhora, que vendia algumas bugigangas, sair subitamente de seu posto a gritar. "Ei, Bolívia! Vem fazer amor comigo Bolívia! Estou carente, faz amor comigo boliviano!", dizia em voz alta, rindo, enquanto tentava abraçar à força alguns (supostos) bolivianos que passavam pelo calçadão, desconcertados. Repetiu a cena pelo menos três vezes antes de parar. Quando voltou, notei que ria junto com alguns colegas do camelódromo.

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Às cinco horas, voltei. Na realidade, agora lembro que a promessa não era de encontrar-me com os professores, mas sim com o Pastor Mario Mancilla, fundador da casa (e pastor da Igreja Universal). Acabei sendo recebido por seu filho, Ronald. Ronald é bem articulado, fala português bem e tem várias funções na casa. Não falou muito comigo, mas foi simpático e disse que, afinal de contas, havia sim um curso de computação acontecendo na Casa da rua Coimbra (onde eu estava logo no início).

Fiquei com duas opções. Ou voltava na Coimbra já que o curso ainda não devia ter acabado, ou ficava e esperava o Pastor Mario chegar - às 18h30!

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Voltei para a Coimbra. Quase pegava o metrô para a Bresser, mas pelo menos dessa vez meu mapa mental funcionou melhor. Já que estava no Brás, não deveria estar longe da Bresser. Resolvi tentar ir a pé.

E cheguei em menos de dez minutos, sem acreditar no caminho estúpido que havia feito na ida.

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Cheguei de volta à Casa del Pueblo da Coimbra e logo encontrei a secretária da semana anterior, que me reconheceu e logo me apresentou à professora de computação, que estava sentada ao seu lado.

Claro, estavam no intervalo, a aula só acabaria às seis e meia, ou seja, dali a uma hora. Me conformei e esperei em um bar, assistindo o Santos ganhar do Palmeiras na Copa SP nos pênaltis - resultado que deu a vitória no bolão da padaria a um senhor japonês, único santista presente em um bar repleto, e que gritava, eufórico, "haja coração!", com um sotaque que não podia ser mais caricato.

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Enfim, a entrevista - e agora me dou conta de que não me lembro o nome da professora, e que não cheguei a perguntá-lo enquanto gravava. Ao contrário de outras mulheres bolivianas, em geral mais recatadas ou simplesmente tímidas, a professora de computação da Casa del Pueblo era bem aberta. Veio de Oruro alguns anos atrás e, ainda que trabalhasse com computação como secretária na Bolívia, também veio no inevitável sistema das oficinas de costura paulistas.

Frustrada com o que ganhava na costura, descobriu a Casa del Pueblo, e está com eles desde meados de 2008. Também não ganha tanto como professora, e sente falta do país pelas pessoas - não pelo país em si, enfatiza - e pensa em voltar. Mas por enquanto não volta, está envolvida com o projeto da Casa del Pueblo, que pretende tornar-se ONG e criar novos cursos, e sente que precisa seguir com o projeto. É um risco. "Los bolivianos em general no se arriesgan, se quedan comodados con qualquier cosa pequeña que consiguen. Yo no soy así, yo accepto los riesgos, pero quiero cosas mayores".

O curioso é que quem frequenta o curso, afinal, são predominantemente bolivianos que já são donos de oficinas de costura. O negócio está crescendo, e querem saber administrá-lo melhor e, porque não, com a ajuda do Windows?

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Queria ainda o contato do professor de português, que eu sabia ser brasileiro. Pelo que me contou a professora, as aulas de computação se passavam em silêncio, os alunos pouco falavam, e quando tinham dúvidas, escreviam em seus cadernos. Decidi que não me interessaria assistir esse tipo de aula, mas que as aulas de português haviam de ser diferentes.

Curiosamente, ninguém na Casa tinha o contato do professor. De qualquer forma, haveria um evento naquela mesma hora na sede da Rangel Pestana e eu poderia acompanhá-las (a professora e a secretária) e, chegando lá, perguntar ao Pastor Mario.

E ia eu novamente à sede da Rangel.

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Não consegui falar com o Pastor Mario, que estava ocupado. Não me surpreendeu. A Casa estava lotada. Eram pelo menos cem pessoas, sentadas, e um palco aonde o filho do pastor, Ronald, falava ao microfone. Descobri depois que faziam naquele dia uma espécie de show de talentos, com vários bolivianos jovens se apresentando. Vi duas apresentações de coreografias enquanto observava o público e conversava com a professora. Todos ali eram também da Igreja Universal. E era incrível o quanto era notável que aquele era o grupo mais "ocidentalizado" de bolivianos que eu tinha visto até hoje. Nas roupas, nas músicas, no sentir-se à vontade com minha presença, no falar seguro, nos cabelos alisados.

Quando vi que era tarde, e que tinha que pegar meu ônibus, me despedi sentindo que posso ter ali, ao menos, um diálogo diferenciado. E com um certo medo estranho de antropólogo de que minha dissertação descambe inesperada e tardiamente para questões de igrejas evangélicas - e tome mudanças súbitas de bibliografia.

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Em casa, entrando na internet, pesquisei pelo nome do professor de português (não consegui seu contato, somente o nome completo, e me disseram que deveria bastar).

De fato, o professor Diego parece trabalhar para a TV Cultura. Além de professor de português dos bolivianos da Casa del Pueblo, produz documentários. E não quaisquer documentários. Produziu, entre outros e inclusive, o "Nação Oculta" sobre os bolivianos de SP, e do qual estou correndo atrás há tempos.

Consegui seu email no site que leva o próprio nome dele, ponto com. E escrevi pedindo para que nos encontrássemos. Não sei se será fácil. Soube que chegou esses dias de uma visita à Bolívia, feita a convite de Evo Morales.

***

E amanhã, Alacitas.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Dia 6: Hidalgo e uma Fanta de dois litros.

Acordei hoje sabendo que teria que fazer algo da minha pesquisa, que devia fazer algo. Mas não tinha o que fazer. Parece que todos os acontecimentos se concentraram no domingo, a Kantuta, a dona Francisca, a festa de Alacitas, os filmes que a VideoFoto me prometeu, seu Antunes, a Veronica, a Rocío, enfim, tudo, exceção do contato com a Casa del Pueblo que ficou pro sábado.

Lembrei que tinha pelo menos dois telefonemas que eu podia fazer para tentar salvar o dia - era isso ou ir aleatoriamente à Rua Coimbra, que é o que costumo fazer quando não tenho o que fazer.

Tentei primeiro a Dra. Ruth, uma advogada boliviana especializada em atender a população andina em São Paulo. Há meses ouço falar na Dra. Ruth, mas por alguma razão ainda não havia ligado. Liguei hoje. Ela mesma atendeu. Estava pronto para dizer "hola", mas veio um "alô" com sotaque tão brasileiro que fiquei desarmado e desandei a falar em português mesmo. Disse que haviam me falado muito sobre ela, e por isso estava ligando, ao que ela me respondeu "quem falou sobre mim?". Fiquei encabulado, ouvi o nome dela tantas vezes que não sabia me lembrar de pessoas específicas. Respondi que o pessoal da Kantuta me falava dela, mas logo depois lembrei que poderia dar uma resposta muito melhor citando o nome do Sidnei. O antropólogo Sidnei me disse que deveria falar com a senhora.

O tom de voz mudou e a coisa logo se resolveu. O Sidnei fez longas pesquisas com os bolivianos em São Paulo, é o autor dos trabalhos mais sérios nessa área. E é sacerdote, participava bastante da Pastoral do Imigrante. Como a Dra. Ruth.

***

Mas acabamos marcando só para a semana que vem. Tinha ainda um segundo telefonema a dar, para o Andrés Espínola, o cara das ligas de futebol. Me atendeu, um pouco sério no início, mais aberto depois que citei que quem o havia citado foi Jorge Merúvia - citar as fontes, sempre citar as fontes - e logo aceitou marcar entrevista. Para amanhã.

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Estava já me dispondo a passar o dia comprando fitas a oito reais na Santa Ifigênia quando me lembrei de um terceiro telefonema possível. Tinha visto na Coimbra um anúncio, "Filmaciones Ingaví" e anotei o número para ligar depois. Filmavam matrimónios, bautisos, cumpleaños, 15 años, prestes, etc. Liguei com poucas esperanças - seis meses atrás, liguei num fotógrafo boliviano que se recusou a falar comigo, acho que peguei trauma.

Mas este topou. Combinamos para hoje mesmo, às 16h em ponto em frente ao Salão do Chalo, na Coimbra. Desliguei sem me lembrar de perguntar-lhe o nome.

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Esperei vinte minutos em frente ao Chalo até que enfim apareceu. Passou por mim antes e eu meio que sabia que devia ser ele, e ele meio que sabia que era eu, mas entrou e perguntou ao Chalo antes para confirmar. Hidalgo o seu nome. E me convidou para tomar um café num bar ao lado.

Por café, entenda-se uma garrafa de Fanta de dois litros.

Hidalgo tinha um ar sombrio, falava baixo, escolheu uma mesa escondida em um bar escondido, usava boné e óculos escuros. Não tardou a explicar que os óculos escuros eram por uma conjuntivite, que não duvido nada ter pego dele, mas que serviu para atenuar todos os outros componentes do seu ar sombrio. E ao menos não tinha aquele sorriso indecifrável de outras entrevistas.

Mas falava baixo demais, e rápido demais. E não fosse o gravador, eu teria de lamentar mal ter entendido metade da conversa mais longa, aberta e dedicada que já tive com um boliviano desde que comecei esta pesquisa.

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Claro que ainda não tive coragem de conferir como ficou a gravação. Espero que a função de redução de velocidade somada ao aumento do volume funcionem.

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No início ainda achava que ele não estava lá muito disposto a conversar. Assim que me apresentei melhor, começou a me perguntar o que eu queria, se queria que ele filmasse enquanto eu fazia as entrevistas, que ele filmasse a Kantuta, que me seguisse pelas ruas, ou o quê.

Pensando agora, se a bolsa desse para pagar, daria um ótimo assistente.

Mas fiquei preocupado com o mal-entendido, que de fato explicava o porque de tanta disponibilidade para pegar um ônibus em pleno horário comercial só para vir me encontrar.

Mas não ficou chateado, e seguimos sem problemas nuestra charla. Depois entendi que havia sido dispensado do seu outro trabalho pela conjuntivite, e que de qualquer forma tinha a tarde livre. Falou quase sem que eu perguntasse sobre sua vida, a vinda ao Brasil, as doenças que acometeram sua juventude, o inevitável trabalho na área de costura, as festas filmadas, o Brasil que tentava ser Bolívia, mas que não era, as festas que tentavam ser como as de lá, mas que não eram, e parava, e pensava, porque não era igual, o que é que faltava, as festas aqui eram menores, mais rápidas, a comida não era a mesma, as roupas não eram as mesmas, ou era outra coisa. Enfim parou e concluiu. Afinal, mesmo se tudo fosse igual, continuaria sendo diferente, insuficiente.

***

Depois de um tempo minhas perguntas haviam acabado e eu estava pronto para ir embora. Vendo que ele não tinha pressa, disse-lhe quase brincando se havia alguma pergunta que eu não lhe tinha feito. Riu, e começou a pensar a sério. E começou a estender a conversa. Começamos a falar sobre o sistema educacional do Brasil e comparar ao da Bolívia, as escolinhas daqui das quais os filhos dele não haviam gostado, mudaram-se para a Bolívia pelas escolas de lá, "más sérias, más disciplinadas; allá los alumnos respectan al profesor!".

Em certo ponto, tomei coragem - como já falava em irmos juntos para Bolívia caso eu fosse para La Paz no fim do ano - e perguntei-lhe se havia a possibilidade de eu acompanhá-lo nas filmagens de alguma festa. Acho que gostou da idéia, ficou de me ligar. À cobrar, claro, já que estou com o telefone de Brasília.

Enfim, exausto após duas horas e meia de concentração extrema para tentar compreender algo daquilo que Hidalgo falava tão abertamente, mas tão baixo, e tão rapidamente, resolvi que não poderia continuar. Inventei que tinha outro compromisso e enfim nos levantamos. Paguei pela Fanta que me deixou empanturrado pelo resto da noite, e o acompanhei até o ponto de ônibus. No caminho ainda me fez parar para comprar um CD de música boliviana num camelô. "Música boliviana no, música NACIONAL boliviana".

Fui embora com a cabeça estourando. Talvez tenha sido o melhor contato que fiz desde que comecei meu campo em julho. E quase não entendia o que havia sido dito. E me esforçava tanto para entender que cheguei já na metade da conversa exausto, e tão exausto que já mal conseguia interagir. Não consigo não pensar que havia tanta coisa que eu podia ter dito.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Dia 4: Etnografando sorrisos.

Como sempre faço quando não tenho o que fazer, voltei hoje na rua Coimbra em busca de entrevistas aleatórias. Bom, tinha sim algo a fazer, tinha que ir na Fiolandia, a tal "megastore" boliviana de fios e aviamentos para costura, e que também faz tramitações de documentos para imigrantes, documentos para oficinas de costura, anuncia empregos, etc.

Ano passado já havia ido lá, conversar com o señor Luis e doña Lurdes, o casal dono da loja. Fui recebido em tom de "já demos longas entrevistas para um antropólogo uma vez e ele distorceu tudo na hora de publicar - e você?", mas acabei conseguindo entrevistar o Luis. Na época, o Luis tinha planos de fazer alguns minicursos de computação, cidadania e português para bolivianos e eu me ofereci para participar.

Depois escrevi email para saber se ia rolar alguma coisa. Nunca me respondeu.

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Cheguei lá às 14hs, como sempre me mandaram voltar às 16h (parece que as pessoas com quem quero falar sempre vão chegar daqui a duas horas, seja quem for!). Voltei, ainda esperei um pouco, e enfim, o Luis. Se lembra "un poco" de mim. A conversa foi boa, apesar do sorriso meio malicioso do Luis que sempre me intriga.

Nunca sei se estou interpretando corretamente os olhares e sorrisos dos bolivianos. Parece que não batem com os nossos vocabulários de olhares e sorrisos.

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Tive que ouvir a história do "já tivemos problemas com antropólogos" mais uma vez. Mas conversamos, e me disse que o curso não rolou, falta de professores, mas que agora querem fazer uma revista da Rua Coimbra. Me ofereci, como sempre, para participar, afinal é sempre uma chance de tentar fazer algo que se aproxime de uma observcação participante.

O Luis gostou da idéia - com aquele sorriso que não sei decifrar - e ficou de me dar uma resposta daqui uma semana.

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O Chalo é dono do Salón de Peluquería del Chalo, na Rua Coimbra. Seu salão foi o primeiro salón de peluquería da Rua Coimbra. Já foi entrevistado por Globo, Record, Cultura. Tive que ouvir a advertência de sempre, antes de gravá-lo: "ya he dado entrevistas antes pero cuando me fui a leer, estaban hablando de cosas que yo no había dicho".

Fiz um discurso sobre a ética do antropólogo, falei que somos diferentes dos jornalistas, aqueles mentirosos que só querem audiência (claro, afinal os antropólogos não tem que se preocupar com audiência - se pelo menos tivéssemos audiência...).

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O Chalo tinha a mesma trajetória de todos os outros bolivianos que estão aqui há mais de dez anos, e igual à trajetória dos que estarão aqui daqui a dez anos. Chegou sozinho, tinha um parente no Brasil, trabalhou em oficinas de costura, foi explorado por coreanos "aquellos hijos de la madre!", por alguns bolivianos também, até que largou o negócio, fez uma oficina no centro para aprender outro ofício - no caso, cortar cabelo -, abriu o salão e hoje vive melhor, mas reclama dos assaltos, da violência e do alcoolismo dos bolivianos. "Hay que cerrar estos bares!".

E o mesmo sorriso enigmático do Luis aparecendo sempre que terminava de falar, quando perguntava "y entonces, algo más?". Me parece absolutamente necessário compreender este sorriso, mas também me parece tão inalcançável.

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Como o Jorge Meruvia não estava em seu restaurante, resolvi almoçar por lá mesmo enquanto esperava. Seu filho disse que voltaria em uma hora. Tentei puxar conversa com o filho enquanto esperava, mas tanto para ele quanto para o outro filho que também trabalha por lá, parece impensável a idéia de que eu tenha interesse em entrevistar alguém que não seja o pai.

Fiquei observando o lugar enquanto esperava. O salão era grande. Nas duas extremidades, televisores tocando músicas bolivianas completamente diferentes. Em uma, música típica, com um coro masculino e o som da quena. Na outra, uma mistura com música peruana e um tal de Edwin cercado por um monte de garotas. Não sei se existe um termo boliviano para brega. De vez em quando uns corações computadorizados flutuavam ao redor do Edwin.

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Na entrada, um painel repleto de anúncios de empregos para costureiras, overloquistas, rectistas, "pagase bien y puntual", etc. Jorge me explicou quando chego que chegou a ter problemas com a CUT por causa do painel, estava "colaborando com a escravidão dos bolivianos".

Jorge já foi presidente da Kantuta, presidente da rua Coimbra, tinha cargo na prefeitura durante o governo Marta em SP, é um dos 50 "heróis invisíveis" de SP no livro do Gilberto Dimenstein. Mas hoje, de saco cheio, é só dono do restaurante. Bom, no caso, de dois restaurantes na Coimbra.

Aparentemente, Jorge foi o fundador da Kantuta, deu até o nome, e depois quando cansou e brigou com a diretoria, foi também o primeiro na Coimbra. Don Carlos me disse que quem inventou o nome foi ele e quem fez o logo foi o filho. Claro que não corrigi o Jorge. Vai saber.

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O Jorge me disse que conhecia um dos representantes da diretoria de uma das principais ligas de futebol boliviano em SP (todo boliviano parece que é representante de algum grupo de bolivianos e se vai te indicar alguém, é porque representa algum outro grupo de bolivianos em outro lugar).

Pedi-lhe se me conseguiria o contato desse rapaz, um tal de Alberto, se não me engano. Pegou o celular e telefonou para um rapaz. "Hola, Julio, como estás? Mira, te recuerdas de aquel negocio de que te hablé, sí? Bueno, quería saber si te recordabas. Ah sí, sabes por acaso el telefono de Alberto? Ah, gracias. Hasta luego".

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Incrível como é impossível uma conversa com bolivianos em São Paulo não girar em torno de trabalho e negócios. Ou isso ou festas folclóricas gigantescas. Não existe meio termo.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Satélites e o cineasta que explodiu Duque de Caxias


Ao ver os posts de Lasevtz abaixo, sinto que ele já está muito mais na grafia da etnografia do que eu. Por mais que ele viaje no mundo boliviano em são paulo armado com um olhar eletrônico-digital. Mas que comece a exegese.

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Encurralado por um objeto antes (por mim) nunca visto, a idéia de fazer uma etnografia de filmes me parece a mais interessante saída para a minha monografia. Fugir do que me treinei, contato com gente, nas épocas de graduação e de bar, as vezes dá mais aflição do que animo para o desafio.
O último encontro com os produtores e ,cada vez mais, amigos do Mate com Angu, traz a tona uma série de questões que tanto me tocam como antropólogo, como pessoa. Cada encontro, virtual ou presencial, é uma série de informações que me inquietam e não sei o qua
nto isso pode me ajudar a entender os filmes do Mate com Angu. Inquietações. Inquietações.
Elenco duas referências pancadas originadas dos Mateanos. Que se não me ajudarem na minha etno-filme-grafia, no mínimo alteram meu estado de ser. Talvez já terá valido a pena.


1) "Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios", de Marçal de Aquino. Assistindo a entrevista de (Igor) Barradas, ele apresenta o livro presenteado po
r Sabrina (Bittencourt), comenta da força do livro. Bateu lá. Bateu aqui. Eu não sei porque ele apresentou o livro. Eu não sei bem porque eu li. Mas bateu aqui e bateu acolá.




2) "Céu de Sueli", de Karim Aïnouz. Em passagem por Brasília, trabalhando na produção de uma mostra de cinema argentino, encontrei-me com Sabrina (Bittencourt). Pós sessão, saída para o jantar co
m o pessoal da produção, conversa vai, conversa vem, o filme "Céu de Sueli" surgiu no ar, não saiu da cabeça. Vi. Fascinei. Bateu aqui. E agora, José?



Seriam pistas? O que isso tudo pode me dizer?

Para o post não ficar muito longo, fico nessas duas referências, tem muito mais. Vou regando nossas (minha) conversa(s) com as referências.

E antes que eu me esqueça, o homem que explodiu Duque de Caxias:

Começando os trabalhos de etno-vídeo-grafia, para o trabalho da disciplina de Antropologia da Arte, propuz uma análise do filme de Barradas, "Lá no Fim do Mundo", que eu acho foda!

l from matecomangu on Vimeo.



Seria uma dificuldade investigar quem eu admiro? Admiração ou estaria eu me reconhecendo/projetando em meus interlocutores? Enfim, papos psicanalíticos para os comentários.

Dia 2: fitas, gravadores, brasileiros y un pollo à la brasa.

Tirei o dia de folga hoje, estava exausto. Ou seja, sobra tempo para falar de ontem.

Já estou começando a estabelecer uma rotina aqui em SP. Acordo, tomo banho, tomo café na padaria mais próxima, volto, pego minhas coisas, pego o ônibus no terminal Vila Yara aqui em Osasco e então uma hora de viagem para chegar no centro.

Detalhe que ontem saí de casa carregando mais coisas que o normal. Os domingos são sempre os dias-chave do meu campo, é dia da Feira Kantuta, provavelmente o principal ponto/momento de encontro dos bolivianos de Sampa. Além disso, me comprometi com algumas pessoas da feira em fazer um curta-documentário sobre a Feira, de modo que tinha que achar um jeito de enfiar a câmera na mochila, colocar o tripé nas costas e sair nas ruas do centro de São Paulo chamando o mínimo possível de atenção dentro do metrô e depois na rua (ainda é uma caminhada pelo Bom Retiro até chegar na feira, na rua Pedro Vicente).

Quando ia pegar o metrô, deu aquele plim. Sabe aquele plim de "fiz merda e já era"? Pois tinha. Tinha esquecido todas as minhas fitas minidv da filmadora em Osasco. Não tinha o que fazer, já eram quase 14hs, não dava pra perder mais duas horas indo e voltando para Osasco. E era domingo, onde eu ia comprar fita minidv em pleno Bom Retiro no domingo??

Após perguntar por lojas de eletrônicos em padarias aleatórias e receber alguns rostos que não me davam nenhuma esperança, descobri que havia um shopping ali perto. Deu pra ir a pé e encontrar fitas a venda na quinta (e derradeira) loja em que tentei. Acho que era Max Games ou coisa do gênero. A fita era vinte e cinco, mas o vendedor ficou com pena de mim e fez por vinte. Comprei duas, para duas horas de gravação.

Descobri mais tarde que na Santa Ifigênia conseguiria por oito.

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Depois de descobrir no primeiro dia que dois dos meus contatos de julho tinham voltado para a Bolívia, enfim pude reencontrar algumas pessoas. Don Carlos, que era presidente da Feira ano passado, me viu antes que eu o visse. Fez algumas perguntas rápidas diplomaticamente e foi embora. Tentei entrevistar o filho dele ontem aliás. Me disse que ia pensar se concederia entrevista. Acabei nem voltando para tentar.

A melhor supresa foi seu Luis. Brasileiro, tem uma barraca de brinquedos na feira e é o único brasileiro da diretoria da Kantuta. Já filmei bastante com ele em julho. Ontem o encontrei conversando com um rapaz que vestia uma camisa do Festival de Cinema de Goiânia e fiquei intrigado. Depois descobri que era um cineasta do Iphan fazendo um documentário sobre o Bom Retiro.

Acabei entrando no papo. Incrível como três pessoas conversam melhor do que duas. Enfim uma conversa "normal" na Kantuta, sem medo de falar.

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O chato é a história do gravador. No meio da conversa (era só pra dar um "oi" pro Luis) percebi que a coisa estava boa e pedi permissão pra gravar. Aceitaram sem problemas. Mas depois também, foram mais uns dez minutos em que o assunto da conversa eram gravadores, preços de gravadores, marcas de gravadores, antes de voltarmos a falar de qualquer coisa de interessante.

Gravar definitivamente altera o que é gravado.

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Outra descoberta. Brasileiros são definitivamente os melhores bolivianos com quem um antropólogo pode conversar.

O Luis mesmo se acha o interlocutor entre os dois países no Brasil. E se bobear é mesmo, até mais que o cônsul. Não é a toa que está de relações públicas na diretoria da feira. A Sofia, da barraca ao lado, nunca dá entrevistas. Bastou o Luis me apresentar à Sofia, da barraca ao lado, e pronto, meia hora de conversa, filmada e tudo.

Tudo bem que a conversa não rendeu quase nenhuma novidade, mas isso é detalhe.

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O outro foi o seu Wilson. Brasileiro casado com boliviana, tem uma barraca de salteñas na Kantuta. Não sei porque não o entrevistei em julho. O Wilson é bem aberto, tem várias reflexões feitas em torno da feira e falou comigo, filmando, por quarenta minutos. Em certo momento da entrevista acho que cheguei a pensar, "ok, acho que se eu voltasse para Brasília agora, conseguiria escrever uma monografia".

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O Wilson já está na Kantuta há uns seis anos. No início os bolivianos, acostumados com outros padrões de higiene que não os do nosso Estado, resistiam bastante às mudanças que a diretoria (já com o Wilson ali no meio) tentava implantar. Seu Wilson disse que os pratos ficavam imundos nas barracas. "Até que um dia levei embora pra casa os pratos de seis barracas diferentes. Só ficando sem prato pra eles começarem a usar prato descartável. E fui eu pra casa aquele dia com um saco cheio de pratos na mão. Na semana seguinte, quase todo mundo usava prato descartável".

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Também filmei don René. Don René tem uma barraca/restaurante no fim da feira. É diretor de eventos também. Boliviano, acho que de La Paz. Marcamos a entrevista para umas 15h da tarde. Cheguei atrasado, quase 16h, e não estava lá. Enquanto esperava, resolvi aproveitar para almoçar por lá mesmo (sim, as 16hs). Como não entendia nada dos pratos no menu, arrisquei o Pollo a la Brasa, que parecia não ter muito erro, com o único suco que tinha. O prato era ótimo. O suco tinha uma bola enrugada no fundo. Descobri depois que era um pêssego desidratado.

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Antes de começar a filmar com don René, que enfim voltou, ele me pediu para explicar-lhe sobre o quê falaríamos. Enquanto eu lhe dizia, anotava os temas um por um num caderninho, "pra me organizar melhor", dizia. Foi uma boa entrevista, mas automática demais, como sempre, nada comparável à conversa com o Wilson ou com o Luis (que de qualquer forma, não foi filmada).

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Até quando, até quando só vou conseguir entrevistas? Aprendi que etnografia implicava em fazer observação participante. Acho que só esqueram de avisar os etnografados...

domingo, 17 de janeiro de 2010

São Paulo: dias um e dois.

Estive sem internet ontem em meu primeiro dia de campo e não pude postar. Vou ver se falo alguma coisa dos dois dias hoje.

Apesar de que de ontem também não tem muito o que dizer, cheguei exausto da muito longa viagem de ônibus BSB-SP e em plena hora do almoço. Aliás, BSB-Osasco, já que estou ficando hospedado na casa de uma amiga da família. É ótimo, estou numa casinha nos fundos com bastante privacidade e internet wireless trocando minhas experiências de campo com minha colega de quarto cocker spaniel (aparentemente misturada com basset hound, mas há controvérsias).

Ainda assim, cambaleando que fosse, tomei coragem para ir à Rua Coimbra, afinal era sábado, dia de feira dos bolivianos. Os bolivianos tem duas grandes feiras na cidade, uma aos sábados, na Coimbra, mais bagunçada, cheia de camelôs de bugigangas, pirataria e comidas típicas em uma rua repleta de restaurantes e salões de beleza bolivianos. Até onde sei, a única rua essencialmente boliviana da cidade.

A outra é a da Kantuta, sempre aos domingos, muito mais organizada, regularizada pelo Estado, repleta de barracas de comida, objetos andinos típicos, barracas de cereais andinos, sempre bugigangas, claro, sempre um pouco de pirataria, e com direito a uma rádio local ao vivo (literalmente local, já que os radialistas ficam num palco dentro da praça com grandes caixas de som), quadra de futebol no centro (com jogos praticamente ininterruptos ao longo do dia), e pasmem - novidade até para mim, já que ano passado isso ainda não existia - um castelo inflável e uma piscina de bolinhas no centro para crianças.

Mas como eu dizia, o dia na Coimbra ontem foi fraco. Algumas rápidas entrevistas e algumas boas descobertas, é verdade, mas ainda preciso esperar pelos desdobramentos.

De qualquer forma, além do cansaço, descobri que estava com o castelhano mais enferrujado do que imaginava. Não praticava desde minha última ida a campo em julho e até tentei relembrar algumas coisas dando uma estudada no meu dicionário de bolso português-espanhol na viagem de ônibus de Osasco para Sampa. Não adiantou muito, fiquei nervoso e senti que meu espanhol saía um tanto enrolado. Somando-se a isso uma grande falta de vontade/tempo/desconfiança dos bolivianos da rua Coimbra, minha coragem para abordar mais pessoas foi água abaixo.

Para completar o dia, meu primeiro grande baque etnográfico desta viagem. Dois dos meus principais contatos da minha primeira saída de campo em julho do ano passado, o Angel e o José, que trabalhavam no restaurante El Campeón, voltaram para a Bolívia.

O Angel eu já imaginava porque havia me dito que costumava ir e vir com frequência, e que deveria ir novamente no fim de 2009. Só senti o baque no caso dele por saber que ele tinha ido dois dias antes de eu chegar.

O José me supreendeu mais. Estava em São Paulo havia anos, tem família aqui, falava português fluente, era editor de um jornal da comunidade boliviana além de gerente do restaurante, não imaginava que voltaria tão cedo. Não me disseram porque foi. Talvez demitido. Pelos olhares do gerente novo, parece que não tinham as melhores lembranças do José.

Claro, um primeiro dia de campo não pode ser completo sem contratempos com o gravador. Ano passado tinha resolvido que usaria minhas técnicas primitivas da graduação: etnotaquigrafia (conhecem?). 53 páginas mal escritas num caderninho depois, comprei um gravador. Fui estrear ontem, mas antes, na noite anterior, dei uma ligada para testar, ver como funcionava. Estava ótimo. Só que aparentemente funcionava tão bem que esqueci de desligar. Cheguei na Coimbra ontem e aonde que o gravador ligava?

E fui caminhando pela Bresser debaixo de uma típica garoa paulista em busca de um mercadinho que vendesse pilhas AAA.

(cansei, depois escrevo sobre hoje).

Desetnografando.

Bom, acho que deveria começar apresentando esse blog. Tive a idéia meio que do nada um dia desses, num dia desses em que a mente começa a se preparar para uma longa viagem de campo após todo um semestre de (des)preparações cursando disciplinas que ajudavam bastante (a me distrair) enquanto o janeiro não vinha.

Pois bem, chegou o janeiro, e com ele, minha derradeira saída de campo. Um mês em São Paulo etnografando a comunidade de imigrantes bolivianos locais.

Enfim, como escrever um diário de campo, gravar entrevistas em voz, filmar entrevistas em vídeo e, eventualmente, escrever uma dissertação de mestrado não fossem suficientes, achei que deveria fazer algo mais. Lembrei de um livro recente que havia lido da Sherry Ortner em que escrevia, entre os capítulos, notas sobre os bastidores de sua etnografia. Uma espécie de making of.

Taí. The Making Of an Etnography. Seria um ótimo nome para este blog. Pena que já criei o blog com esse nome mesmo e já não tenho mais saco para mudar.

Mas a idéia é mesmo essa. Desetnografar, ou grafar etnias de forma avessa, ou descobrir da etnografia suas coberturas teóricas e conceituais (que fazem com que seja reconhecida como etnografia) deixando-a meio nua (meio que uma playboy das etnografias, se quiserem), com aquelas coisas que nem mesmo Malinowski contaria.

E a idéia é que outros participem. Somos uma turma grande, cada um com seu campo. Quem quiser, sinta-se convidado para acampar neste grande descampado (com o perdão do trocadilho final que meio que estraga a abertura do blog na última hora).