segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Dia 2: fitas, gravadores, brasileiros y un pollo à la brasa.

Tirei o dia de folga hoje, estava exausto. Ou seja, sobra tempo para falar de ontem.

Já estou começando a estabelecer uma rotina aqui em SP. Acordo, tomo banho, tomo café na padaria mais próxima, volto, pego minhas coisas, pego o ônibus no terminal Vila Yara aqui em Osasco e então uma hora de viagem para chegar no centro.

Detalhe que ontem saí de casa carregando mais coisas que o normal. Os domingos são sempre os dias-chave do meu campo, é dia da Feira Kantuta, provavelmente o principal ponto/momento de encontro dos bolivianos de Sampa. Além disso, me comprometi com algumas pessoas da feira em fazer um curta-documentário sobre a Feira, de modo que tinha que achar um jeito de enfiar a câmera na mochila, colocar o tripé nas costas e sair nas ruas do centro de São Paulo chamando o mínimo possível de atenção dentro do metrô e depois na rua (ainda é uma caminhada pelo Bom Retiro até chegar na feira, na rua Pedro Vicente).

Quando ia pegar o metrô, deu aquele plim. Sabe aquele plim de "fiz merda e já era"? Pois tinha. Tinha esquecido todas as minhas fitas minidv da filmadora em Osasco. Não tinha o que fazer, já eram quase 14hs, não dava pra perder mais duas horas indo e voltando para Osasco. E era domingo, onde eu ia comprar fita minidv em pleno Bom Retiro no domingo??

Após perguntar por lojas de eletrônicos em padarias aleatórias e receber alguns rostos que não me davam nenhuma esperança, descobri que havia um shopping ali perto. Deu pra ir a pé e encontrar fitas a venda na quinta (e derradeira) loja em que tentei. Acho que era Max Games ou coisa do gênero. A fita era vinte e cinco, mas o vendedor ficou com pena de mim e fez por vinte. Comprei duas, para duas horas de gravação.

Descobri mais tarde que na Santa Ifigênia conseguiria por oito.

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Depois de descobrir no primeiro dia que dois dos meus contatos de julho tinham voltado para a Bolívia, enfim pude reencontrar algumas pessoas. Don Carlos, que era presidente da Feira ano passado, me viu antes que eu o visse. Fez algumas perguntas rápidas diplomaticamente e foi embora. Tentei entrevistar o filho dele ontem aliás. Me disse que ia pensar se concederia entrevista. Acabei nem voltando para tentar.

A melhor supresa foi seu Luis. Brasileiro, tem uma barraca de brinquedos na feira e é o único brasileiro da diretoria da Kantuta. Já filmei bastante com ele em julho. Ontem o encontrei conversando com um rapaz que vestia uma camisa do Festival de Cinema de Goiânia e fiquei intrigado. Depois descobri que era um cineasta do Iphan fazendo um documentário sobre o Bom Retiro.

Acabei entrando no papo. Incrível como três pessoas conversam melhor do que duas. Enfim uma conversa "normal" na Kantuta, sem medo de falar.

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O chato é a história do gravador. No meio da conversa (era só pra dar um "oi" pro Luis) percebi que a coisa estava boa e pedi permissão pra gravar. Aceitaram sem problemas. Mas depois também, foram mais uns dez minutos em que o assunto da conversa eram gravadores, preços de gravadores, marcas de gravadores, antes de voltarmos a falar de qualquer coisa de interessante.

Gravar definitivamente altera o que é gravado.

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Outra descoberta. Brasileiros são definitivamente os melhores bolivianos com quem um antropólogo pode conversar.

O Luis mesmo se acha o interlocutor entre os dois países no Brasil. E se bobear é mesmo, até mais que o cônsul. Não é a toa que está de relações públicas na diretoria da feira. A Sofia, da barraca ao lado, nunca dá entrevistas. Bastou o Luis me apresentar à Sofia, da barraca ao lado, e pronto, meia hora de conversa, filmada e tudo.

Tudo bem que a conversa não rendeu quase nenhuma novidade, mas isso é detalhe.

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O outro foi o seu Wilson. Brasileiro casado com boliviana, tem uma barraca de salteñas na Kantuta. Não sei porque não o entrevistei em julho. O Wilson é bem aberto, tem várias reflexões feitas em torno da feira e falou comigo, filmando, por quarenta minutos. Em certo momento da entrevista acho que cheguei a pensar, "ok, acho que se eu voltasse para Brasília agora, conseguiria escrever uma monografia".

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O Wilson já está na Kantuta há uns seis anos. No início os bolivianos, acostumados com outros padrões de higiene que não os do nosso Estado, resistiam bastante às mudanças que a diretoria (já com o Wilson ali no meio) tentava implantar. Seu Wilson disse que os pratos ficavam imundos nas barracas. "Até que um dia levei embora pra casa os pratos de seis barracas diferentes. Só ficando sem prato pra eles começarem a usar prato descartável. E fui eu pra casa aquele dia com um saco cheio de pratos na mão. Na semana seguinte, quase todo mundo usava prato descartável".

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Também filmei don René. Don René tem uma barraca/restaurante no fim da feira. É diretor de eventos também. Boliviano, acho que de La Paz. Marcamos a entrevista para umas 15h da tarde. Cheguei atrasado, quase 16h, e não estava lá. Enquanto esperava, resolvi aproveitar para almoçar por lá mesmo (sim, as 16hs). Como não entendia nada dos pratos no menu, arrisquei o Pollo a la Brasa, que parecia não ter muito erro, com o único suco que tinha. O prato era ótimo. O suco tinha uma bola enrugada no fundo. Descobri depois que era um pêssego desidratado.

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Antes de começar a filmar com don René, que enfim voltou, ele me pediu para explicar-lhe sobre o quê falaríamos. Enquanto eu lhe dizia, anotava os temas um por um num caderninho, "pra me organizar melhor", dizia. Foi uma boa entrevista, mas automática demais, como sempre, nada comparável à conversa com o Wilson ou com o Luis (que de qualquer forma, não foi filmada).

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Até quando, até quando só vou conseguir entrevistas? Aprendi que etnografia implicava em fazer observação participante. Acho que só esqueram de avisar os etnografados...

2 comentários:

  1. Lasevitz, tô de cara com as suas aventuras. E imaginando ocê com um tripé, câmera, gravadores e caderninho... vixi!

    Mano (já que estamos em sp), são mil e uma possibilidades, escolha a sua.

    Quer uma companhia para a feira desse domingo?

    abraço!

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  2. Domingo sem dúvida Tiagão, te vejo lá!
    E só pra corrigir, o caderninho de que comento no fim do post não era o meu, era o do René. Ele que fez questão de anotar os temas da entrevista, etc. Queria se organizar melhor para responder hehe.

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