terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Dia 4: Etnografando sorrisos.

Como sempre faço quando não tenho o que fazer, voltei hoje na rua Coimbra em busca de entrevistas aleatórias. Bom, tinha sim algo a fazer, tinha que ir na Fiolandia, a tal "megastore" boliviana de fios e aviamentos para costura, e que também faz tramitações de documentos para imigrantes, documentos para oficinas de costura, anuncia empregos, etc.

Ano passado já havia ido lá, conversar com o señor Luis e doña Lurdes, o casal dono da loja. Fui recebido em tom de "já demos longas entrevistas para um antropólogo uma vez e ele distorceu tudo na hora de publicar - e você?", mas acabei conseguindo entrevistar o Luis. Na época, o Luis tinha planos de fazer alguns minicursos de computação, cidadania e português para bolivianos e eu me ofereci para participar.

Depois escrevi email para saber se ia rolar alguma coisa. Nunca me respondeu.

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Cheguei lá às 14hs, como sempre me mandaram voltar às 16h (parece que as pessoas com quem quero falar sempre vão chegar daqui a duas horas, seja quem for!). Voltei, ainda esperei um pouco, e enfim, o Luis. Se lembra "un poco" de mim. A conversa foi boa, apesar do sorriso meio malicioso do Luis que sempre me intriga.

Nunca sei se estou interpretando corretamente os olhares e sorrisos dos bolivianos. Parece que não batem com os nossos vocabulários de olhares e sorrisos.

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Tive que ouvir a história do "já tivemos problemas com antropólogos" mais uma vez. Mas conversamos, e me disse que o curso não rolou, falta de professores, mas que agora querem fazer uma revista da Rua Coimbra. Me ofereci, como sempre, para participar, afinal é sempre uma chance de tentar fazer algo que se aproxime de uma observcação participante.

O Luis gostou da idéia - com aquele sorriso que não sei decifrar - e ficou de me dar uma resposta daqui uma semana.

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O Chalo é dono do Salón de Peluquería del Chalo, na Rua Coimbra. Seu salão foi o primeiro salón de peluquería da Rua Coimbra. Já foi entrevistado por Globo, Record, Cultura. Tive que ouvir a advertência de sempre, antes de gravá-lo: "ya he dado entrevistas antes pero cuando me fui a leer, estaban hablando de cosas que yo no había dicho".

Fiz um discurso sobre a ética do antropólogo, falei que somos diferentes dos jornalistas, aqueles mentirosos que só querem audiência (claro, afinal os antropólogos não tem que se preocupar com audiência - se pelo menos tivéssemos audiência...).

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O Chalo tinha a mesma trajetória de todos os outros bolivianos que estão aqui há mais de dez anos, e igual à trajetória dos que estarão aqui daqui a dez anos. Chegou sozinho, tinha um parente no Brasil, trabalhou em oficinas de costura, foi explorado por coreanos "aquellos hijos de la madre!", por alguns bolivianos também, até que largou o negócio, fez uma oficina no centro para aprender outro ofício - no caso, cortar cabelo -, abriu o salão e hoje vive melhor, mas reclama dos assaltos, da violência e do alcoolismo dos bolivianos. "Hay que cerrar estos bares!".

E o mesmo sorriso enigmático do Luis aparecendo sempre que terminava de falar, quando perguntava "y entonces, algo más?". Me parece absolutamente necessário compreender este sorriso, mas também me parece tão inalcançável.

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Como o Jorge Meruvia não estava em seu restaurante, resolvi almoçar por lá mesmo enquanto esperava. Seu filho disse que voltaria em uma hora. Tentei puxar conversa com o filho enquanto esperava, mas tanto para ele quanto para o outro filho que também trabalha por lá, parece impensável a idéia de que eu tenha interesse em entrevistar alguém que não seja o pai.

Fiquei observando o lugar enquanto esperava. O salão era grande. Nas duas extremidades, televisores tocando músicas bolivianas completamente diferentes. Em uma, música típica, com um coro masculino e o som da quena. Na outra, uma mistura com música peruana e um tal de Edwin cercado por um monte de garotas. Não sei se existe um termo boliviano para brega. De vez em quando uns corações computadorizados flutuavam ao redor do Edwin.

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Na entrada, um painel repleto de anúncios de empregos para costureiras, overloquistas, rectistas, "pagase bien y puntual", etc. Jorge me explicou quando chego que chegou a ter problemas com a CUT por causa do painel, estava "colaborando com a escravidão dos bolivianos".

Jorge já foi presidente da Kantuta, presidente da rua Coimbra, tinha cargo na prefeitura durante o governo Marta em SP, é um dos 50 "heróis invisíveis" de SP no livro do Gilberto Dimenstein. Mas hoje, de saco cheio, é só dono do restaurante. Bom, no caso, de dois restaurantes na Coimbra.

Aparentemente, Jorge foi o fundador da Kantuta, deu até o nome, e depois quando cansou e brigou com a diretoria, foi também o primeiro na Coimbra. Don Carlos me disse que quem inventou o nome foi ele e quem fez o logo foi o filho. Claro que não corrigi o Jorge. Vai saber.

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O Jorge me disse que conhecia um dos representantes da diretoria de uma das principais ligas de futebol boliviano em SP (todo boliviano parece que é representante de algum grupo de bolivianos e se vai te indicar alguém, é porque representa algum outro grupo de bolivianos em outro lugar).

Pedi-lhe se me conseguiria o contato desse rapaz, um tal de Alberto, se não me engano. Pegou o celular e telefonou para um rapaz. "Hola, Julio, como estás? Mira, te recuerdas de aquel negocio de que te hablé, sí? Bueno, quería saber si te recordabas. Ah sí, sabes por acaso el telefono de Alberto? Ah, gracias. Hasta luego".

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Incrível como é impossível uma conversa com bolivianos em São Paulo não girar em torno de trabalho e negócios. Ou isso ou festas folclóricas gigantescas. Não existe meio termo.

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