sábado, 23 de janeiro de 2010

Dias 7 e 8: Embotellamientos y la Casa del Pueblo

Se a conversa com o Hidalgo de quem eu pouco esperava me supreendeu tão positivamente (eu nem achava que ele vinha), a conversa com o Andrés das ligas de futebol de quem eu esperava muito mais acabou sequer acontecendo.

Tudo bem que sair de Osasco quinze para meio-dia para chegar na Bresser à uma da tarde podia ser um pouco de otimismo da minha parte, e quando percebi que já era meio-dia e meia e eu ainda estava no Butantã, liguei para o Andrés e remarquei nosso encontro sem problemas para as duas e meia, afinal, estava "preso en un embotellamiento" (nada como um dicionário em mãos) - até pensei em falar duas, mas coloquei logo duas e meia, seria tempo de sobra.

Mas afinal, estamos em São Paulo, e por mais que não estivesse chovendo tanto, e que fosse uma "sexta meio morta" por causa do feriadão estadual, só fui chegar às três horas da tarde.

O Andrés já não estava, e de qualquer forma o restaurante em que íamos nos encontrar já tinha fechado. Tentei ligar, deu caixa postal.

Um contato pelo ralo, ou melhor, bueiro abaixo.

***

Parece que as desventuras da sexta não foram o suficiente.

Hoje era um dia chave. Era o dia em que começariam os cursos de computação e português da Casa del Pueblo, na Coimbra mesmo. Tinha ido lá uma semana atrás. Sabia que esse tipo de curso é sempre pra mim uma grande possibilidade de entrada no mundo boliviano e quando soube que a Casa del Pueblo estava prestes a começar dois cursos, com várias turmas, não hesitei.

Claro, também não saí dizendo que queria assistir às aulas. Queria conversar primeiro com os professores, até mesmo entrevistá-los, e se a conversa fosse boa e minha potencial simpatia ajudasse, quem sabe conseguiria permissão para assistir às aulas.

Enfim a secretária me pediu para que viesse tentar falar com os professores no primeiro dia de aulas, e era o que fui fazer hoje. Era às 14h, cheguei quinze para as duas. Estava fechado. Achei estranho e resolvi telefonar na outra sede. Atenderam, e me disseram que não havia curso algum hoje mas que se eu quisesse, poderia encontrar com os professores na outra sede naquela hora mesmo. Sem hesitar, aceitei e desliguei antes que pudesse perguntar o endereço. Mas enfim, tinha um cartão deles e estava lá, Rangel Pestana, 2362. Lembrava bem de ter visto uma placa de Rangel Pestana na Sé. Peguei o metrô na Bresser e fui.

Chegando na Sé, dou direto na Rangel. Perfeito seria, não fosse o fato de que era a a Rangel número zero. Descobri que estava a dois quilômetros da Casa, e claro, como não podia deixar de ser, debaixo de chuva. Mas enfim, ainda que meio arrebentado, ainda tinha meu guarda-chuva, e não iria pagar mais 2,55 pelo metrô. Dois viadutos depois, estava lá.

Ao chegar, a secretária me explica que não, que aquela não era boa hora, e que deveria esperar até às 17h (eram 15h30 no máximo). E me pus a passear pelo Brás.

***

O que foi até bom. Não tinha noção da quantidade de bolivianos que passeia pelo Brás aos sábados, nas infinitas lojas de roupas e calçados. Ao contrário da Coimbra e da Kantuta, no Brás os bolivianos são obrigados a se misturarem aos brasileiros nas ruas, algo que ainda não tinha visto.

Caminhando entre os camelôs, vejo uma senhora, que vendia algumas bugigangas, sair subitamente de seu posto a gritar. "Ei, Bolívia! Vem fazer amor comigo Bolívia! Estou carente, faz amor comigo boliviano!", dizia em voz alta, rindo, enquanto tentava abraçar à força alguns (supostos) bolivianos que passavam pelo calçadão, desconcertados. Repetiu a cena pelo menos três vezes antes de parar. Quando voltou, notei que ria junto com alguns colegas do camelódromo.

***

Às cinco horas, voltei. Na realidade, agora lembro que a promessa não era de encontrar-me com os professores, mas sim com o Pastor Mario Mancilla, fundador da casa (e pastor da Igreja Universal). Acabei sendo recebido por seu filho, Ronald. Ronald é bem articulado, fala português bem e tem várias funções na casa. Não falou muito comigo, mas foi simpático e disse que, afinal de contas, havia sim um curso de computação acontecendo na Casa da rua Coimbra (onde eu estava logo no início).

Fiquei com duas opções. Ou voltava na Coimbra já que o curso ainda não devia ter acabado, ou ficava e esperava o Pastor Mario chegar - às 18h30!

***

Voltei para a Coimbra. Quase pegava o metrô para a Bresser, mas pelo menos dessa vez meu mapa mental funcionou melhor. Já que estava no Brás, não deveria estar longe da Bresser. Resolvi tentar ir a pé.

E cheguei em menos de dez minutos, sem acreditar no caminho estúpido que havia feito na ida.

***

Cheguei de volta à Casa del Pueblo da Coimbra e logo encontrei a secretária da semana anterior, que me reconheceu e logo me apresentou à professora de computação, que estava sentada ao seu lado.

Claro, estavam no intervalo, a aula só acabaria às seis e meia, ou seja, dali a uma hora. Me conformei e esperei em um bar, assistindo o Santos ganhar do Palmeiras na Copa SP nos pênaltis - resultado que deu a vitória no bolão da padaria a um senhor japonês, único santista presente em um bar repleto, e que gritava, eufórico, "haja coração!", com um sotaque que não podia ser mais caricato.

***

Enfim, a entrevista - e agora me dou conta de que não me lembro o nome da professora, e que não cheguei a perguntá-lo enquanto gravava. Ao contrário de outras mulheres bolivianas, em geral mais recatadas ou simplesmente tímidas, a professora de computação da Casa del Pueblo era bem aberta. Veio de Oruro alguns anos atrás e, ainda que trabalhasse com computação como secretária na Bolívia, também veio no inevitável sistema das oficinas de costura paulistas.

Frustrada com o que ganhava na costura, descobriu a Casa del Pueblo, e está com eles desde meados de 2008. Também não ganha tanto como professora, e sente falta do país pelas pessoas - não pelo país em si, enfatiza - e pensa em voltar. Mas por enquanto não volta, está envolvida com o projeto da Casa del Pueblo, que pretende tornar-se ONG e criar novos cursos, e sente que precisa seguir com o projeto. É um risco. "Los bolivianos em general no se arriesgan, se quedan comodados con qualquier cosa pequeña que consiguen. Yo no soy así, yo accepto los riesgos, pero quiero cosas mayores".

O curioso é que quem frequenta o curso, afinal, são predominantemente bolivianos que já são donos de oficinas de costura. O negócio está crescendo, e querem saber administrá-lo melhor e, porque não, com a ajuda do Windows?

***

Queria ainda o contato do professor de português, que eu sabia ser brasileiro. Pelo que me contou a professora, as aulas de computação se passavam em silêncio, os alunos pouco falavam, e quando tinham dúvidas, escreviam em seus cadernos. Decidi que não me interessaria assistir esse tipo de aula, mas que as aulas de português haviam de ser diferentes.

Curiosamente, ninguém na Casa tinha o contato do professor. De qualquer forma, haveria um evento naquela mesma hora na sede da Rangel Pestana e eu poderia acompanhá-las (a professora e a secretária) e, chegando lá, perguntar ao Pastor Mario.

E ia eu novamente à sede da Rangel.

***

Não consegui falar com o Pastor Mario, que estava ocupado. Não me surpreendeu. A Casa estava lotada. Eram pelo menos cem pessoas, sentadas, e um palco aonde o filho do pastor, Ronald, falava ao microfone. Descobri depois que faziam naquele dia uma espécie de show de talentos, com vários bolivianos jovens se apresentando. Vi duas apresentações de coreografias enquanto observava o público e conversava com a professora. Todos ali eram também da Igreja Universal. E era incrível o quanto era notável que aquele era o grupo mais "ocidentalizado" de bolivianos que eu tinha visto até hoje. Nas roupas, nas músicas, no sentir-se à vontade com minha presença, no falar seguro, nos cabelos alisados.

Quando vi que era tarde, e que tinha que pegar meu ônibus, me despedi sentindo que posso ter ali, ao menos, um diálogo diferenciado. E com um certo medo estranho de antropólogo de que minha dissertação descambe inesperada e tardiamente para questões de igrejas evangélicas - e tome mudanças súbitas de bibliografia.

***

Em casa, entrando na internet, pesquisei pelo nome do professor de português (não consegui seu contato, somente o nome completo, e me disseram que deveria bastar).

De fato, o professor Diego parece trabalhar para a TV Cultura. Além de professor de português dos bolivianos da Casa del Pueblo, produz documentários. E não quaisquer documentários. Produziu, entre outros e inclusive, o "Nação Oculta" sobre os bolivianos de SP, e do qual estou correndo atrás há tempos.

Consegui seu email no site que leva o próprio nome dele, ponto com. E escrevi pedindo para que nos encontrássemos. Não sei se será fácil. Soube que chegou esses dias de uma visita à Bolívia, feita a convite de Evo Morales.

***

E amanhã, Alacitas.

2 comentários:

  1. hehehe...

    quem manda fazer etnografia na selva!

    uma dica: sempre antes de iniciar uma entrevista, falar antes: entrevista com fulaninha, na sede dos anzóis pereira, no dia de são nunca. E aí mete bronca. Se tiver gravador digital, tb é legal marcar no caderninho o timer de início e fim. Na hora de passar os arquivos pro pc isso facilita, inclusive pra nomear os arquivos.

    outra coisa: parece que vc esqueceu de me incluir na parada, assim que passar a kelly vou postar umas coisinhas

    abração,

    joão guilherme

    ResponderExcluir
  2. João, tinha te enviado convite sim! Mandei pro seu Gmail. Bom, na dúvida mandei de novo agora. Será que foi pro spam??

    Mas pois é, etnografia na selva é complicado. To quase indo fazer matéria de etnologia com o Pimenta nesse semestre hehehe. E eu me achando o antropólogo urbano... =P

    Ah, das dicas do gravador é o seguinte. Anotar no caderninho eu to anotando, isso é tranquilo. Falar antes da entrevista eu até já pensei em falar, mas também, sabe como é, já tá aquele clima meio constrangido da entrevista, que se constrange mais ainda com o gravador. Se eu ainda chegar e começar a falar sozinho, sabe-se lá o que vão achar de mim hehehe.

    Abraço!

    ResponderExcluir